“Escrevo para me livrar da emoção” (TS Elliot).
Tenho por hábito, quase religioso, revisitar os clássicos. E foi assim que reencontrei “Zorba, o grego”. Os críticos o definem como uma parábola sobre a força da amizade. Mas o que eu vejo nesse filme é outra coisa. A história da bela e improvável amizade entre um rico escritor inglês e seu empregado camponês que decidem dançar juntos na praia me deixou desconfortável. A cena da dança é linda e estranhamente vem depois de eles praticamente causarem a morte por apedrejamento de uma mulher e se arruinarem financeiramente. Eu chorei muito. Não pela poesia da dança, nem pela morte, nem pela empatia com a bancarrota dos protagonistas. Chorei porque não perdi de vista o fato de eu ser uma mulher.
Zorba (um inesquecível Anthony Quinn), infelizmente, abre a boca, em close, para falar das mulheres. Diz que as ama “porque elas são pobres e fracas criaturas… uma mão no seio e elas lhe dão tudo que têm.” Obviamente o grifo das palavras é meu, como se fosse necessário enfatizar o teor do que foi dito e mostrar o caminho do meu inevitável sentimento de desconforto.
Luiz Fernando Veríssimo, na crônica “Homem que é homem”*, fala que existe “um componente de misoginia patológica inerente à jactância sexual do homem latino”. Concordo plenamente, mas completaria: é necessário afirmar que toda misoginia é, por si só, uma maluquice. Um absurdo que dispensa qualquer adjetivo negativo que o desqualifique. Claro que Veríssimo colocou assim à guisa de mote para a sua criação ficcional.
Veríssimo não ofende. Diverte. Mas o filme, do qual também sou fã, além da frase emblemática do protagonista, tem ainda outro viés misógino: as personagens femininas são tratadas com evidente desimportância e superficialidade. A prostituta francesa decadente sem nenhum senso de nada. A frágil e sexy viúva da aldeia… Ambas dignas apenas de pena. Pior é pensar que isso não é totalmente ficção. Nem essas mulheres, nem o apedrejamento, nem as palavras de Alexis Zorba. Elas não são a voz do escritor. É uma fala verdadeira, que cabe à personagem.
Vi vários críticos falarem de “Zorba”, mas nenhum era mulher. Nenhum falava de misoginia. Poucos apenas resvalavam no assunto do machismo no filme. Que Zorba tem essa latinidade machista à qual Veríssimo se referia é evidente. Que as mulheres do filme são fracas e vazias, inegável. Mas isso infelizmente é apenas um retrato de uma realidade que mistura anacronismo com contemporaneidade. Tão surreal que até parece pura ficção.
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