José de Alencar, sobre a literatura:

"Palavra que inventa a multidão, inovação que adota o uso, caprichos que surgem no espírito do idiota inspirado".
Benção Paterna, 1872 - tem coisas que não mudam.




terça-feira, 11 de dezembro de 2012

Mesa na Balada Literária 2012

Autores convidados: José Santos, Plínio Camillo, Inês Monguilhott e Nina Maniçoba Ferraz

Mediação: Vanderley Mendonça

No Centro Cultural Barco, 02/12/12, 14:30h.

 Na foto: José, Plínio, Nina, Inês e Vanderley.


Grupo Beco de Escritores: Paula Marina, Angela Senra, Danita Cotrim, Adriana Calabró, eu, 
Dany Tavares e Patrícia Cardozo.




 Um pouco da minha fala:

    O "BOI SEM ASAS" para mim não é apenas um livro, é um projeto literário. A literatura é minha única ambição. Não é um desejo de algo, é um desejo intenso, mas sereno, de ser. Como dizia Pessoa: "põe o quanto és em tudo que fazes".
    Eu busco uma voz, uma dicção nordestina, um imaginário, uma geografia. Quero, como dizia Tolstoi, "cantar a minha aldeia". Contar as histórias do meu povo. Se você não conta a sua história, alguém vai contar.  Procuro me inserir na tradição. Almejo precursores como Graciliano Ramos, Guimarães Rosa, Ariano Suassuna, João Cabral de Mello Neto; uma escrita irmã de Milton Hatoum e Ronaldo Correia de Brito.
    Lima Barreto disse que "sonhar nos faz diferentes e cava abismos", mas ter noção da própria insignificância é a chave de poder voar leve. E eu já sei.


Algumas fotos do lançamento do livro em São Paulo

 Dia 23/11/12, na Livraria da Vila, Shopping JK Iguatemi.


O meu grupo de escrita e leitura, o Grupo B-Eco de Escritores (e maridos). 


A professora Maria Rosa Duarte e sua amiga.

 O poeta Frederico Barbosa.

 O Editor da Dobra, Reynaldo Damazio, e seu filho, Nícolas.

O Editor da RDG, Rodrigo Enge.

domingo, 11 de novembro de 2012

"Boi sem Asas", o livro - por Patrícia Cardozo

Oi, amigos do Ensaio sobre Leitura, olhem o que a escritora Patrícia Cardozo escreveu:


"A pernambucana Nina Maniçoba Ferraz trocou a medicina pelas letras. Ou melhor, a sua literatura, com a mesma garra sertaneja, é que não se deixou trocar por nada. 

Escreve desde cedo. Muito e bem. A qualidade dos seus texos e a maturidade 


dos seus contos resultaram no "Boi sem asas", a ser lançado no próximo dia 23 de novembro, na Livraria da Vila do Shopping JK, a partir das 18:30. 

Nina imprime identidade aos seus textos. Escreve com tamanho envolvimento e lirismo que não cabe o superficial. Tão pouco o mais ou menos. Todos os contos foram escolhidos. Pensados e repensados. E alguns até discutidos. Tive o privilégio de participar de algumas leituras do "Boi sem asas" no grupo B-eco de escritores e pude comprovar a obstinação da autora na sua busca pelo melhor. 


Nina é incansável. Foi atrás de tudo o que esta aí. De todas minúcias, caprichos e zelos que só uma escritora talentosa e compromissada pode oferecer de forma tão natural. Ganhamos nós, os leitores. Imperdível."



Patricia Cardozo é Jornalista, pós graduada em Propaganda e Marketing,navegou por rádio e televisão e aportou no balcão. Há mais de 20 anos fundou a Hortelã Brinquedos Educativos. É  autora dos Livros: "Silva X Silva" e "Elefante no Aquário", ambos pela Ed. Moderna; e "Jucaré e a Turma da Lagoa do Croá"  pela Geração Editorial.

domingo, 21 de outubro de 2012

Boi sem Asas


Boi sem asascontos – Editora Dobra, novembro de 2012, 13x18, brochura, $25, vai ser lançado em 23/11/12, 18:30 `as 21:30h, na Livraria da Vila, do Shopping JK Iguatemi, São Paulo.

Release:
A pernambucana Nina Maniçoba Ferraz escreve histórias ambientadas no nordeste brasileiro, não retratando clichês e estereótipos, mas buscando o drama humano e universal, que não reconhece fronteiras. Almejando precursores como Graciliano, Guimarães e Jorge Amado, suas histórias reúnem precisão, concisão e densidade, e são baseadas na vida “real”, mas é a fabulação que as aproxima do que se pode chamar “vida”.




quarta-feira, 17 de outubro de 2012

Boi sem asas, Editora Dobra, 2012, para meus pais


Vou lançar outro livro, mãinha! Repare, painho, se eu não estou "virada num molho de coentro" kkkk (adoro esse negócio bom e sem sentido que o povo diz: "virada num mói de cuento"...) vá entender!

Esses aí a seguir, são escritores maravilhosos, críticos literários excelentes, pessoas de quilate e generosidade raros. Amém. Obrigada. "A honra pode ser imerecida, mas a alegria nunca o é", verdade. Olha a responsabilidade! Mas eu estou é roxa de achar bom! Obrigada, mestres queridos. 

Com ‘Boi sem asas’, Nina Maniçoba Ferraz nos oferece doze narrativas em um texto ágil, fluente, repleto de sugestões e imagens poéticas. Suas histórias persuadem pelo tom espontâneo, por ela ser capaz de narrar como se as contasse em voz alta. Ser uma estudiosa de literatura não lhe prejudica a espontaneidade, o tom no qual transparece um entusiasmo juvenil pelo prazer de escrever. Ela corre com os pés no chão; mas isso não impede sua imaginação de voar.
Cláudio Willer - doutor em literatura pela USP-SP, tradutor, ensaísta, crítico e poeta, expoente da Geração Beat no Brasil
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Só entrar nas asas de seu boi e já fiquei cativa... Um conto (conto?) assim tão pequeno, e no entanto, voa pelo livro inteiro...
Maria Rosa Duarte de Oliveira - Professora Doutora e Titular em Teoria Literária e Literatura Brasileira, PUC-SP
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A mitologia está em Zeus, no alto do Olimpo, mas também está em Tonha e em Imaculada, na padaria e no sertão. Nina Maniçoba Ferraz explora, a partir de dentro, essa mitologia do mínimo, atingindo com isso, uma linguagem simultaneamente brasileira e particular.
Noemi Jaffe - doutora em literatura pela USP, escritora e crítica literária
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Entre a Mancha de Quixote e o sertão de Rosa, o corte seco e
fundo das narrativas quase cabralinas de Nina Maniçoba Ferraz,
revelando o avesso de personagens reais, tocados pela fábula...
Reynaldo Damazio - Escritor, editor, professor, ensaísta e crítico de literatura 

sexta-feira, 5 de outubro de 2012

O medo de pensar e existir

Penso, logo existo. Ou: existo, logo penso. Falar pode ser tão real quanto saltar da ponte. E não falar, também.

Palavras são palavras, mas a palavra no papel (ou na tela) parece o próprio pensamento materializado. Demoro muito a escrever, escrevo pouco. Penso tanto que, às vezes, beiro o não existir. Aí travo.

E penso: de que vale pensar por conta própria se você não assume o risco? Você tem todo direito de errar. 

E aí penso mais um pouco. E salto.

terça-feira, 2 de outubro de 2012

Pensando sobre Rolland Barthes: a morte do autor

O que Mallarmé, Proust, Brecht e Barthes tem em comum?

A escrita surrealista descendente da poética de Mallarmé contribuiu para dessacralizar a figura do autor, através da proposição da destruição do sentido, da revolução da lógica, da subversão da sintaxe ou ainda, e principalmente, da construção automática e/ou coletiva do texto.

Brecht,  também participa desse movimento de apagamento do autor, através do seu conceito de "gestus" e seu objetivo de deixar a sua escritura ter o seu significado necessariamente completado pelo ator/performer e pelo público.

Segundo Barthes, quando Proust, em "Em busca do tempo perdido", nos oferece uma narrativa `as avessas de um livro que ainda vai ser escrito, ele nos instiga a pensar que Charlus não é uma personagem inspirada em Montesquieu, e sim que Montesquieu é um fragmento secundário derivado de Charlus; que a vida imita a arte. Proust não faz a sua obra da sua vida, mas faz da própria vida uma obra.

Barthes em seu texto "A morte do autor", afirma que o autor não nos entrega a sua confidência num livro. Claro! Eu sinto que o autor escreve sobre seus monstros, mas, sem dúvida, pensar que o que está na página é apenas um recado pessoal do autor ou um fragmento da sua realidade, certamente diminui seu valor.

Eu já escrevi sobre princesas, homossexuais, heróis e loucos... acho que escrever só é possível para quem sente, mas sentir não é ter visto ou vivido.

Sem dúvida, a obra de Proust (como também a de Caio Fernando Abreu, por exemplo) é permeada de sua homossexualidade; a obra de Van Gogh é permeada de sua loucura; as obras de Borges e Guimarães são povoadas pelas pessoas e cenários da vida de seus autores; a obra de Kafka é contaminada pela figura paterna opressiva. Mas a literatura vai muito muito mais além.

Quando a gente resume um texto, tira dele a sua literatura, pois o literário some onde há pressa por entendimento. Quando nós analisamos um viés de compreensão de um texto parece que estamos tirando dele sua ambiguidade e literariedade. Mas para quem gosta de estudar uma obra literária são imperdoáveis o excesso de certezas, a falta de humildade e a falta de múltipla perspectiva.

Mas e o escritor/ autor? Como escritora, sempre fico dentro de mim, numa vã filosofia, buscando os tanques e as borboletas que movem a minha suposta literatura.


terça-feira, 25 de setembro de 2012

Finalmente


Escrevendo, eu sou outra pessoa. É o momento em que eu me desconheço, eu fico estranha e calada. Coisa mais esquisita. 
Não sou blogueira à vontade. Sou blogueira por absoluta necessidade. Sinto como se gritasse em ouvidos virtuais. E gritar sempre me assalta, me constrange... e finalmente me transborda... eu, a clandestina.  Para gritar feliz é preciso ser inconsciente ou se amar incondicionalmente ou gritar junto. Infelizmente, acho tudo ridículo ou ridiculamente desnecessário. 
Mas eu não me escapo. Preciso tentar revolver a poesia das coisas. E gritar, e cair, e rodar.


EM CÍRCULOS

A terra roda
a saia roda
a cabeça roda
a roda roda.

quarta-feira, 8 de agosto de 2012

A perspectiva múltipla é a matéria da paz e outras descobertas óbvias


Diante do Instante e do Outro


Por Nina Maniçoba Ferraz - FLIP - Feira Literária Internacional de Paraty - 2012
texto publicado no Portal Garapa Paulista. 
“Um festival de literatura é um antídoto poderoso contra o ódio e o fanatismo”, disse Liz Calder, presidente, criadora e apaixonada da Flip. Esse poder é o da literatura.
Afinal, “a salvação do mundo só pode vir pela cultura”, palavras do escritor sírio Adonis. Não adianta mudar os governos, nem acabar com as pragas, nem com as doenças, nem mesmo saciar a fome. O homem saudável, bem alimentado, ilustrado, que elege seus líderes democraticamente elege também os seus demônios e vai à guerra contra o outro.
Esse "outro" é feito espectro pelo que nos distancia, pelo que nos afasta, pelo estranhamento. A identidade, nesse sentido, como senso de pertencimento a um grupo, é como uma arma: é a alquimia potencialmente explosiva da alma individual (-ista) das coletividades… a engendrar o assassinato e a guerra. Essa identidade de grupo forma “identidades assassinas” ou justifica o “nós contra eles”, nas reflexões de Adonis e do norte-americano Teju Cole, respectivamente em suas mesas sobre Liberdade e Exílio.
A literatura nos une porque nos desvela. O mais importante numa aula de literatura, segundo o próprio Cole, é fazer o aluno se questionar: “quem é esse nós?”. Entender a farsa, o engodo deste nós. Francês ou árabe? Nordestino ou paulista? Quem é você?
Sua mãe é sua pátria? Sua mãe é sua lingua? “Eu arremesso a minha língua e procuro me certificar que nada fique intacto”, não sei de quem é essa frase, mas ela é tão minha. Acredito nisso. A literatura tem esse papel de fazer abalar as certezas. E a perspectiva múltipla é a matéria constitutiva da paz.
Então a literatura salva. Uma função da literatura é amainar as fronteiras, aproximar o outro, fazer conhecer o outro na sua profundidade. A boa literatura é a literatura dos humanos, vertical, que expõe as individualidades e o pitoresco para acentuar o universal e fundar a humanidade. Conhecer o outro salva. E está salvo o eu também, além do outro. 
Tudo na Flip é alumbramento, cintilação. É puro prazer esse jorro de luz e ideias. Mas que pena, posto que é luz, acho que me foge às palavras.

quarta-feira, 27 de junho de 2012

Entrega de prêmios e homenagens a florestanos

Agradecimento ao Grupo Compare pelas fotos.

Na minha fala, ressaltei a importância de "dar cartaz" ao artista e ao agitador cultural que vive na cidade.

Cleto da Ema, contador de causos, recebendo as homenagens.

Iná do Carmo, exibindo o seu título de Cidadã Ilustre de Floresta.
Hércules Martins (Grupo Compare), Rorró Maniçoba (prefeita de Floresta), eu e os 8 finalistas do concurso de redação.

Portal de Cultura do Município de Floresta: 1ª Premiação COMPARE e FLORESTA de apoio à Cultura...

Notícias do evento que organizamos em Floresta, PE.
Clique no link do portal de cultura para saber mais.

Portal de Cultura do Município de Floresta: 1ª Premiação COMPARE e FLORESTA de apoio à Cultura...: A 1ª Premiação COMPARE e FLORESTA de apoio à Cultura realizada na Câmara dos Vereadores em 23/06/2012 foi um sucesso. UM PÚBLICO DE MAIS ...

terça-feira, 26 de junho de 2012

PARTILHA

Dizem os teóricos da literatura que o leitor é quem termina de escrever o texto e que a vida não precisa mais ser imitada pela arte... que a literatura já pode transcender sem medo.


Eu acredito. Acredito que essa leitura inspirada, essa emoção, já está dentro de nós, escritores e leitores, no que Zumthor chamava de "conhecimento antepredicativo" ou "imaginário imanente" ou "lembranças do corpo". O algo de lindo e bom que você vê na poesia do mundo com certeza já estava em você, já era seu desde antes.


Escrever é um desejo de partilhar, de tentar transcender as limitações semânticas. É sentir que a vida só não basta.

quinta-feira, 10 de maio de 2012

Grupo Beco de Escritores participa da FLIV - Feira Literária Internacional de Votuporanga

Querer ser escritor num mundo encharcado de textos não é fácil. O Grupo B-Eco de Escritores quis falar sobre isso na Feira de Literatura de Votuporanga (FLIV) agora no dia 05 de maio de 2012, com a mesa "Os descaminhos da literatura". Foi demais.
Na foto (em pé, da esq para a dir), os integrantes do grupo: Patrícia Cardoso, eu, Angela Senra, Dany Tavares, Danita Cotrim, Adriana Orabona e Sandro Tangirino. Dos 9 autores que compõem o coletivo, não estavam presentes Lídia Izecson e Giovanna Vilela. As fotos são da fotógrafa Paula Marina.
Falar da nossa experiência de escritor (pouca, mas intensa) e de nossa vivência no grupo foi bom demais. Um público de umas 60 pessoas nos prestigiou com atenção, perguntas inteligentes e até com lágrimas emocionadas por compartilhar conosco o sentido do sonho. Fazem eco no meu coração as palavras de Ferreira Gullar: "A literatura existe porque a vida não basta". Viva!!!

sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

A ÚLTIMA BATIDA NO PREGO - Uma mulher foge no dia do casamento. O que vai acontecer? Mais um conto do meu próximo livro.


A última batida No prego
"Nem com boca férrea, bocas cem, línguas cem, pudera eu numerar da culpa
as formas, a variedade e os nomes dos castigos".

Virgílio, em Eneida, Itália

Ela estava lá. Como combinamos. De vestido de noiva. No meio da rua. Na chuva. Em pé.
Do seu lado direito, duas malas pequenas que eu haveria de carregar. Para sempre. À sua esquerda, uma poça de lama, que manchava a barra branca de seu vestido branco, de cetim branco e rendas brancas. Tudo manchado.
Parecia um passarinho pousado num fio de alta tensão. Eu me senti como um menino de bodoque na mão. Uma pedra só. Certeira.
Eu não me levantei. Eu não acenei. Eu estava lá. Mas não acenei. Era como se eu não existisse. O que dá no mesmo.
Era melhor para ela, ficar. Eu só ia porque precisava. Mas não tinha emprego. Nem conhecia ninguém no Recife. Na verdade, nem conhecia a cidade. O pouco dinheiro no meu bolso nem fazia volume. Não daria para nós dois. Ela sofreria demais. Pobre e fraca criatura. Ficaria em mim feito um prego. Furando. Dependente. Reclamando. Insatisfeita. Incompleta. E eu crucificado. A vida ia ser um inferno de todo jeito. Melhor assim.
****
 Quando ela me deixou no altar e largou o braço do pai e correu pela nave da igreja e se jogou na luz da rua e mergulhou na chuva que açoitava a calçada, eu não entendi nada.
Eu a vi desaparecer num clarão e talvez, finalmente, entendi. Uma dor aguda transpassou meu olho várias vezes, como mil tiros de uma pistola de pregos.
Tive vontade de correr atrás dela, lhe segurar pelos cabelos e trazê-la a pulso, arrastada, aos gritos, de volta para o altar. De volta para mim. Fazê-la dizer sim.
Mas no outro minuto entendi que tudo estava acabado e que, portanto, tudo era inútil ou  impossível. Inventei sacar a pistola de pregos e imaginei metralhar a sua pele inteira. Sua pele com cheiro de chuva. Bem ali, diante de todos os convidados, diante da imagem da Virgem Maria, e diante dos meus olhos cegos. Vislumbrei seu corpo todo a tremer, convulsionando, e seu vestido branco a ensopar de sangue, avermelhando.
Fervi minhas carnes na gana de fazer mil filhos em seu corpo até deformá-la e esquecê-la. E não mais reconhecê-la quando a encontrasse na rua, num domingo qualquer.
Mas fiquei parado no altar, parafusado no chão, apoiado no braço da minha mãe.


****
Eu estava lá. Na rua, parada, com os meus pés e a barra do meu vestido de noiva atolados numa poça de lama. As malas ao meu lado, sob o guarda chuva preto, inútil. Tudo inútil. Pingos grossos me açoitando. Um dilúvio, e eu a pé. A chuva pesada revolvendo a terra vermelha ao meu redor como um inferno de água.
Ele não estava lá. Ou não se fez ver. O que dá no mesmo.
Ele não acenou, como combinamos. A porta do ônibus da Viação Progresso não se abriu, como eu queria. Nem o sorriso dele se abriu. Nem seus braços.
E eu continuei parada, na rua, na chuva, na beira da poça de lama que crescia, como se fosse me engolir e me arrastar. E os meus sapatos brancos apertados, altos, encharcados, não me incomodavam mais. Nada me incomodava mais. Nem o prego quase solto do sapato novo já velho de tudo. O sapateiro também deixou de dar a última batida no prego e aquele prego também me assolava, me fustigava, me esfolava a carne.

terça-feira, 24 de janeiro de 2012

Sobre o livro "Brevida" - As mulheres que queriam ser Juliana Amato.



Eu queria ser Juliana Amato. Ela ganhou o concurso “Só escritoras” da Editora Edith, passando pelo crivo fino de Marcelino Freire, Vanderley Mendonça, Ivana Arruda Leite e outros. E teve seu livro lançado na Balada Literária, em 2011. Ai! Benza Deus! Parece conto de fadas em que a princesa ganha um sapatinho de cristal para arrasar no baile. Enfim, cada um sabe qual é sua disneylândia.

Mas vamos ao livro. Li "Brevida" da noite para o dia. Literalmente. É um livro pequeno: 65 páginas, duas vidas e mais quatro personagens. Conta a história de Crianço / Serumano de Deus, um rapaz pobre, com 28 anos e síndrome de Down, em sua saga para realizar o sonho de ser porteiro. E de Mamãe-biscate / Solange Abrantes Souza Nagib, uma socialite adúltera que adora drenagem linfática e diz ter sonhos, mas segue na história sem projeto pessoal, o que quer que isso signifique, como cabe à sua personagem.

Essas duas criaturas têm como principal característica a lubricidade e rabiscam suas vidas entre as demais almas do livro: de um lado, a mãe de Crianço e uma assistente social, e do outro, a filha e o marido de Solange, espécie de anti-heroína-perua-protagonista. Pronto. Um pouco de crueza, um muito de sexo e um tanto de tragédia social e temos a teia que sustenta a narrativa.

Nem novela nem fábula surrealista, o livro é recheado de situações bizarras, mas o narrador não se perde e os diálogos são firmes e fiéis ao argumento. O livro faz o principal: intriga, com certeza, o leitor atento.

Todo escritor quer prender o leitor, impressionar. Pena que Juliana vai pelo caminho mais fácil, a banalização e simplificação do grotesco. E a trama até parece ter um impossível final feliz, mas a simplicidade também é uma ilusão: a ideia não é responder, é perguntar, incomodar. Mas, resumindo o babado, acho mesmo que o sapatinho cabe no pé dela.



Nina Ferraz

quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

A metamorfose, de Franz Kafka. Resumo simples da narrativa

A pedido dos amigos que gostaram da análise crítica que fiz do livro "A Metamorfose", resolvi publicar também o resumo que cometi (!). Não podemos esquecer que literatura é mais "como se diz" do que "o que se diz", então o resumo é a anti-literatura... Mas acho que serve muito bem para tirar a curiosidade de quem não leu e quer conhecer a história. Cito umas frases do livro, para ajudar a sentir também, além do enredo, o estilo do autor. beijos e até

Certa manhã,  ao despertar de sonhos intranquilos, Gregor Samsa encontrou-se em sua cama metamorfoseado num inseto monstruoso”. Assim começa o livro. Gregor era um caixeiro viajante que detestava o seu trabalho, mas que a ele estava irremediavelmente preso por dívida, por mais pelo menos 5 anos.
Preso no quarto, ele pensa em voltar a dormir, esperando que o sono ou o silêncio restaurem a normalidade.  Depois racionaliza, ao “se mostrar” acabaria com as preocupações: se a família e o seu gerente se assustassem com o seu estado, eles entenderiam porque não se levantou; e se, ao contrário, não se importassem, simplesmente iria trabalhar, desculpando-se pelo atraso. Mas o gerente foge e a família, assustada e enojada, o mantém preso em seu quarto. Gregor também, como Kafka, nutre pela irmã um amor incestuoso, mas ela cada vez mais se distancia dele.
Mostrando sinais de animalização, Gregor inicialmente perde o poder de se expressar pela fala. Depois muda seu paladar, passando a gostar de comidas podres e restos. Em seguida passa a enxergar cada vez menos e a rastejar pelo quarto, chão, paredes e teto. A irmã remove toda a mobília para permitir sua movimentação livre, mas aí ele percebe que estão aos poucos transformando seu quarto humano numa toca e que isso é a prova de que não há esperança na reversibilidade de sua situação. No final, usam seu quarto como depósito de entulho e não limpam mais nada, ficando ele também “coberto de pó, fiapos, cabelos e restos de comida” e com uma maçã que o pai arremessou contra ele encravada nas costas, apodrecendo.
“Kafkianamente” o autor nos diz, num dado momento, que embora Gregor pudesse voar e andar pelo teto ele prefere se manter no chão, para não ameaçar a família. No início, ele esperava apenas aceitação e carinho. No final, enfraquecido pela fome, solidão e tédio, ele passa a sentir ódio pelos maus tratos. Mas nada fazia.
A única coisa boa que lhe aconteceu desde a metamorfose foi ouvir a irmã tocar violino. Emocionou-se tanto que chegou a duvidar de sua condição de animal.
Finalmente ele ouve a irmã dizer que a família devia livrar-se dele.  “Sua própria opinião de que deveria desaparecer era talvez ainda mais decidida que a da irmã... Permaneceu nesse estado de reflexões vazias e pacíficas... sua cabeça inclinou-se totalmente para baixo e das suas ventas brotou, fraco, o último suspiro”.
No dia seguinte, após constatado o óbito, a empregada anuncia: “A senhora não precisa se preocupar em como se livrar da coisa aí do lado. Já está tudo em ordem”. Então pai, mãe e irmã resolvem tirar o dia de folga e vão para um singelo passeio de bonde elétrico.