José de Alencar, sobre a literatura:

"Palavra que inventa a multidão, inovação que adota o uso, caprichos que surgem no espírito do idiota inspirado".
Benção Paterna, 1872 - tem coisas que não mudam.




quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

Uma leitura crítica de "A Metamorfose", de Franz Kafka (a personagem do livro x a biografia do autor x todo mundo)



A METAMORFOSE – uma proposta de leitura analítica por Nina Ferraz, em 667 palavras
 “A Metamorfose” é uma narrativa literária por excelência: a palavra é carne impessoal, transcende e se reveste de pele e significados. A fábula risível (um homem se transforma num inseto) atravessa os séculos e as fronteiras para ser uma obra atemporal da aldeia humana. O livro é tão verdadeiro porque Kafka sempre derrama um forte componente biográfico nos seus textos. É a comédia humana, a vida de qualquer "um qualquer", a cotidiana e esquecida, que segue de perto a história narrada, por mais absurda que ela seja. Questões universais como falta de ânimo e razão para viver, solidão, amor servil e desejo irrealizável são as sementes que Kafka vai jogando através de “A Metamorfose” dentro do juízo do leitor.
Analisando “A Metamorfose” pelo prisma das questões humanas confrontadas com a biografia do autor, as semelhanças entre Kafka e Gregor (protagonista de A Metamorfose) começam no fato simples de ambos viverem de atividades que não gostam e não apresentam perspectiva ou desafio. A fala explícita da personagem, cheia de enfado e resignação, afirma não gostar do que faz. Essa condição fria e burocrática de existir se faz presente até na escolha da linguagem: o jargão cartorial é uma característica do autor. Ele escreve: “haverei de refletir para ver se não movo uma ação estabelecendo reinvidicações que, ... acredite..., serão muito fáceis de fundamentar”...
Gregor (de sujeito) se faz objeto e afirma “sei que ninguém ama o caixeiro-viajante”. A solidão profunda e consciente é outra marca comum entre o criador e essa sua criatura. Os biógrafos dizem da solidão de Kafka. Mas, não importa quantos amigos você tenha no Facebook, a vida é uma viagem solitária. Em Gregor, essa solidão fica evidente no seu isolamento, em toda sua trajetória e na descrição detalhada da foto de uma mulher idealizada, recortada de uma revista, e pelo fato de, num dado momento, a moldura ficar colada no ventre do inseto, numa posição sexual. Kafka mostra, não diz.
Outra questão importante é o embuste do amor servil. Segundo Backes, uma situação típica em Kafka é a afirmação de que o homem avilta sua personalidade em favor da ordem superior. Sacrifica o gozo privado em favor do trabalho e da família, geralmente representada pela figura paterna. Sob certo prisma mais pessoal, não o do “Contrato Social” ou outros igualmente passíveis de arrazoamento, esse é o velho desejo de adequação, desejo de ser amado.  Kafka expressa esse desejo aberta e biograficamente em sua obra “Carta ao Pai” e o desenha em cores rutilantes em “A Metamorfose”. Através do cativeiro voluntário de Gregor, o amor servil (subserviência, dedicação e  abnegação) também é um tema do livro. O fato de Gregor não voar e não rastejar no teto (onde teria uma melhor visão e mais espaço) e seguir se arrastando penosamente pelo chão para não assustar a família e o fato de ele não atacar a despensa (mesmo morrendo de fome) são passagens que podem ilustrar esse ponto. Tem um trecho que ele fala que ficaria muito bem numa caixa, com furinhos para permitir sua respiração – querendo dizer que ele precisa menos de cuidados  ou afirmação e mais de aceitação.
Talvez esse amor servil seja o vértice que inflexiona a curva do desejo. Também como Kafka, Gregor sente um amor irrealizável pela irmã. Ela é sempre a figura mais presente junto a Gregor (e Kafka chegou a morar uns tempos com sua irmã Ottla). Inicialmente Gregor é responsável pela irmã, mas depois da metamorfose ela passa a cuidar dele. Se no início tinha atenção e cuidado, logo se estabelece uma relação de autoridade e dependência. No final, a irmã acaba dizendo querer que ele desapareça e ele morre logo em seguida, quase para lhe satisfazer a vontade.
Irrefletida vítima do desejo de adequação e de amor, o homem trai a sua própria natureza, resultando exatamente no oposto: inadequação ao trabalho, `a família e ao mundo. O isolamento, a melancolia e a incompreensão resultantes determinam um processo de animalização, isso é o que nos diz Kafka finalmente.

segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

Não vou rastejar para o alto __ Franz Kafka

KAFKA – uma minibiografia pessoal.
Se eu fosse Kafka já teria morrido. Ele morreu de tuberculose aos 40 anos, em 1924. Filho de judeus, falava alemão e viveu numa sociedade que já nutria os vermes que iam degenerar em nazismo. Filho de Hermann - um homem empreendedor, forte de espírito e compleição física - Kafka era o oposto do pai: pequeno, indeciso e funcionário público de uma companhia de seguros. Noivou duas vezes, mas nunca se casou e sofria de amor incestuoso pela irmã mais nova, Ottla. Desses conflitos, brotou uma obra literária densa e extremamente impactante.
O primeiro livro de Kafka que li foi “Carta ao Pai”, uma obra póstuma publicada por um amigo, que na verdade era uma carta que ele realmente escreveu para o pai. O conhecimento da biografia do autor e a leitura prévia da “Carta...” foram fundamentais para entender “A Metamorfose”. Na semana que vem vou postar um resumo simples do livro em menos de 500 palavras. E na semana seguinte uma leitura analítica da obra. Pelo prazer, esforço e comprometimento que tive ao escrever, tenho certeza que vale ler; tanto para quem ama Kafka, quanto para quem quer simplesmente conhecê-lo.

sábado, 3 de dezembro de 2011

O Inferno de Lilith

Escrevi esse poema de encomenda para recitar no Sarau da Casa das Rosas, como parte das atividades da Balada Literária de 2011. A Balada é uma grande celebração `a literatura, 4 dias de encontros e conversas maravilhosas.

A FILMAGEM está no You Tube e o atalho é AQUI

É isso.

beijos

quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

This haiku is dedicated to my beloved teacher David Peter Mahon

Shining like fireflies 
The old moon cries 
Upon the falling skies.

Esse poeminha concreto eu dedico ao meu querido amigo Paulo Borges.

Nau frágil

aaaa aaaaa aaaaa aaaaa aaaaaa (gutural, como barulho do mar)

aaaaaaaaaaaaaaaaaa (agudo, como um grito de dor e alívio)

aaaaaaaarrrrrrrrrrrrr (rouco, como um grito de guerra)

atracar

atar

atacar

atacar-se

acatar –se

catar-se

catarse.

terça-feira, 22 de novembro de 2011

Com esse poema participei da Balada Literária de Marcelino Freire, São Paulo, 2011. Na Casa das Rosas, na Av Paulista.



Foi publicado no Portal de Cultura e entretenimento Garapa Paulista










O Inferno de Lilith

Na sala de visitas
comemoram
os belos, os fortes, os fartos, os naturalmente bons.

Mas aqui
Na epigênese imperfeita da minha alma,
Na rutilância fria do meu lastro
de correntes,
As garras dos sonhos impossíveis já afundam na minha pele.

Na minha pele
Nesta pele que crepita sob o sol do tempo
mas não larga, minha pele não me larga,
metamorfose incompleta

E eu vôo, inseto no deserto da ampulheta
e eu lacrimejo meu veneno, cobra involuntária.

Mas agora
Agora que ventilo o porão do que eu jamais serei,
arreio vencida, fustigada debaixo de açoites invisíveis
E ergo um brinde
Um brinde às máscaras
Às máscaras da comunhão e da benevolência.

sexta-feira, 18 de novembro de 2011

Na Balada Literária 2011

Fui convidada pelo Portal de Cultura e Entretenimento Garapa Paulista e pela Balada Literária de Marcelino Freire para participar das leituras com outros escritores na Casa das Rosas, na Av Paulista, no sábado dia 19/11 `as 21:30h.

Vou recitar uma poesia minha chamada "O inferno de Lilith", que vai estar aqui no sábado `a noite.

terça-feira, 15 de novembro de 2011

FILHO DE OGUM - Esse conto será parte do meu livro "O Boi sem asas".

Um conto em homenagem a Túlio Carella
Filho de Ogum. de Nina Ferraz – São Paulo, maio 2011
Ele era filho de Ogum, orixá dos metais. Senhor de instrumentos e armas para agricultura, caça e guerra. Quem planta poda. Quem procura caça. Olho no olho, dente por dente. Ele era espada forjada no malho, de dois gumes, amolada. Mas sabia que passar ferro no ferro é desafiar Ogum. E que só podia acabar como acabou.
Homem bonito. Tinha um olhar fervendo destes que lambuzam qualquer pessoa. Andava no pescoço um patuá que ganhou ainda criança. O pai amarrou uma figa junto, bem rente na goela do menino. No que ia crescendo, a mãe aumentava o cordão. Mandinga forte.
Menino de ouro, não se metia em confusão, era obediente, concentrado. Mas lá pela idade de 10, virou outra pessoa. Parou de se dar bem com meninos e meninas. Calou-se. Ficava sozinho, cara fechada, testa perdida, os pensamentos vazando no vento, sem ninguém poder recolher. A mãe se preocupava todo dia que amanhecia. Vai brincar, menino! E se a noite era de silêncio, ela tentava calar o peito. Mãe é mãe. Foge. Mas sente. E reza. Rezava baixinho: ô meu Deus!
E ele foi crescendo. Encarava com um olho que não fita, fugido, disfarçado, mas tinha o corpo fechado, bem talhado, fruta de morder. Um dia, ele se pegou olhando para os homens do cais. Tinha vontades. E rondava. Rondava. Rondava. Feito fera enjaulada. Mais parecia um leão, atirado na cova de Davi. Mas não tinha mais fé que a providência divina o alimentasse.
Ele era um homem e queria um homem. Coisa escrita, destino. Cumpriu sua sina numa noite de lua cheia e maré alta.
A lua no céu nítida que nem desenho de criança. As águas do mar espumando. O vento soprando. As ondas vinham correndo para os seus pés. Benzedeiras. E limpavam o que houvesse. E agitavam a areia. E deixavam a terra alva e pura. Ele viu um caminho de luz clara na pele do outro. No riso daquele desconhecido íntimo. Naquele olho que brilhou no seu, cúmplice. E o rapaz achou o grito da calada da noite. E descobriu sua morada.
Mas amor assim é condenado ao fogo que deve queimar calado. Tem que lutar desigual, de capa e espada contra dragão. Profecia que não vem dos deuses, mas das gentes. O vaticínio: será eternamente e repetidamente feito brasa de embaúba que não tem. Que queima ligeiro. Madeira que é mole, enverga, não dá lança. Nem viga. Árvore que tem copa rala, que não dá sombra. Assim o sujeito vai. Ardendo no sol quente, de sol a sol.
E assim assim, feito num conto de bruxas, foi morrendo a paz e a calmaria. E o silêncio foi virando grito. Berros daquele homem que tinha voz agora e falava nele. Brado que ele não queria ouvir.
Acuou-se num canto resignado. Mas o homem alvo brilhava em pé, na lua. E esbravejava o que ele nunca quis saber. Cresceu nele aquelas certezas que a gente tem, mas sabe que não é. Dessas certezas turvas que cospem fogo e comem raiva. E a fúria gritou: Sou filho de Ogum! Deus negro da guerra. Também sou filho de São Jorge! Sou filho de Orixá de punhal e lança. Forja suas armas, Ogum! Agora é guerra.
Foi desse jeito que acabou um amor que ninguém viu e que ninguém pode dizer.
O sangue escuro do homem branco escorreu na terra alva e a maré baixa não lavou nada.

segunda-feira, 14 de novembro de 2011

O que UNE a Balada Literária, Caetano Veloso, Augusto de Campos e Wladimir Maiakovski?

Muitas coisas. Especialmente esse poema do escritor russo Maiakovski, que foi traduzido pelo poeta concretista brasileiro Augusto de Campos (homenageado da Balada Literária 2011) e que tem versos que foram usados em músicas do Caetano e do Roberto. Olha que lindo e singelo o poema:

O SOL DE MAIAKOVSKI
Brilhar para sempre,
brilhar como um farol,
brilhar com brilho eterno,
gente é para brilhar,
que tudo mais vá para o inferno,
este é o meu slogan
e o do sol.

sábado, 12 de novembro de 2011

Poemínimos

Esses dois poeminhas ganharam 1o e 2o lugar -Melhores Haicais dentre os mais de 20 ótimos concorrentes da Oficina de Haicai do B-Eco de 17/10/2011 - e os dois são meus! Adorei! Os colegas que estavam na oficina que votaram. Obrigada a todos.

Calor da noite
Mormaço sem abraço
Saudade feito açoite (Nina)


A lua nova que era nova chora
No pescoço da noite
E agora? (Nina)

terça-feira, 18 de outubro de 2011

Pensar faz mal - Crônica escrita para a Revista Amauri.


Por Nina Ferraz

Saúde não é a ausência de doença, é sentir-se bem. Esse simples conceito pode nos dar instrumentos para enfrentar e resolver a maioria dos problemas do dia a dia. De fato, não importa como efetivamente o mundo é, importa mesmo como ele é percebido. Então a frase “Mente sã em corpo são” adquire um novo significado. O pensamento passa a ser visto como um instrumento. Mas como saber se o pensamento é a ferramenta para resolver o problema ou se ele é o problema?

Para achar a saída para as nossas dificuldades é preciso pensar, claro. Porém frequentemente, mais frequentemente do que se imagina, a solução é simplesmente parar de pensar. Relembrar fatos para conhecer a si mesmo e para considerar riscos futuros é importante para o planejamento da vida. Revisitar o passado com esse intuito é saudável. A pessoa olha para trás, coleta suas experiências e toma decisões.

No lado oposto, está o pensamento estéril. Quando o pensamento é circular, repetitivo, fica ali na cabeça incomodando sem ser percebido ou reaparece sem ser convidado, pode ter certeza: esse pensamento é negativo e deve ser evitado. Esse tipo de pensamento não é uma reflexão positiva e ordenada, geralmente age como um mantra inconsciente, que assombra a pessoa, atrapalha o sono, altera o apetite, depleta a energia e reduz a capacidade de concentração.

É biológico. O cérebro reage a tudo que lhe é dado. Por isso eleger coisas boas para pensar é fundamental. Se concentrar em boas lembranças, pelo menos uma vez ao dia, traz um bem estar imediato. Meditar também é muito bom. E meditar significa não pensar, esvaziar o cérebro, reduzir o barulho interior. É como dar repouso aos nervos.

Ao contrário, remoer experiências negativas mergulha o sujeito numa química cerebral que faz tudo no horizonte aparecer em preto e branco. Ficar lembrando uma coisa triste, não resolve o que passou e, faz o pior, aprisiona o cérebro exatamente dentro desta experiência. Cada vez que é revisitada, a simples memória faz despejar hormônios e uma química cerebral que resulta em tristeza, depressão ou pessimismo. Afinal relembrar é como reviver.

A pergunta fascinante é: o que é a verdade, então? Uma elaboração humana? Uma interpretação? Sim. Isso é o que nos faz humanos: a avaliação da circunstância é mais importante do que o fato em si. Um copo, ele pode estar meio cheio ou meio vazio. Aquela pessoa que está ali, ela ainda não foi ou decidiu ficar mais um pouco. Em ambos os casos a realidade é a mesma: a quantidade de água no copo ou o fato de a pessoa estar ali. Diante da ausência ou indelicadeza de alguém, uma pessoa nem percebe e a outra vai ter mais assunto no analista.

Em outras palavras, a verdade não existe por si só, ela é fruto da nossa análise, da análise dos outros e dos dogmas do meio em que vivemos. Assim, controlar o que pensamos é um grande começo. Elaborar e usar uma lista de “lembranças que curam” e aprender a reconhecer e evitar os pensamentos negativos pode ser a chave mais segura para o equilíbrio e para o bem estar físico e mental.

terça-feira, 4 de outubro de 2011

O stress básico de cada dia - Crônica escrita para a Revista Amauri, será publicada na próxima edição, Coluna Saúde e Bem Estar.


por Nina Ferraz

“Saúde e paz, o resto a gente corre atrás”, diz a máxima. O problema é esse resto. É como se fosse uma lista de itens com os quais vão julgar se somos felizes ou não. Mas como pode existir um “enxoval básico” para a felicidade se somos todos tão diferentes? E esse conceito de sucesso nem é fixo, muda de sociedade para sociedade e também no tempo. Mas a pessoa nem se dá conta disso e começa a correr atrás do queijo. Sem se perguntar qual é a direção certa.

Um sinal de que o caminho é outro é o stress. Como quase tudo no psiquismo humano, a sensação de bem-estar depende mais do subjetivo que de questões objetivas. Em outras palavras, independe do problema em si, o que vale é a avaliação de cada um diante da incerteza. Por exemplo, se, na iminência de uma tragédia, o sujeito avalia seus recursos e se considera capaz de contornar ou resolver, tudo fica bem. Ao contrário, se a pessoa deve enfrentar um desafio mínimo, mas se sente incapaz de superá-lo, passa a se sentir angustiado. E como não ficar estressado com uma lista de tarefas diárias simplesmente surreal?

O sufoco começa pelo tempo, que passa a ser artigo de luxo. Tem que fazer atividade física regular. Tem que dar atenção `a família. Aos amigos. E principalmente aos filhos. Tem que ter um hobbie. Tem que estar por dentro das novidades. E sobretudo tem que ter uma carreira bem-sucedida. É preciso também dormir bem, mas sem deixar de ser produtivo e ter uma vida social interessante. Não se pode esquecer de comer saudável, mas sem parar de comemorar, beber socialmente e se divertir bastante. Esta é a receita, ensinam. A base perfeita para a vida equilibrada do homem moderno.

Ou será a chave da vida desequilibrada? E isso nem é tudo ainda. A pobre criatura moderna tem que estar preocupada com estética, mas não pode parecer fútil, nem exagerar; mas relaxar também não é a solução, pois o cristão vai logo se sentir desleixado e péssimo. Na esfera sexual é importante ser ativo e interessante, mas cuidado para não parecer carente, dependente ou vulgar. Profissionalmente, é importante parecer experiente e jovem (!?). Parece tudo incompatível, mas é assim mesmo. Aliás, todos devem parecer jovens, mesmo quem não é mais. E, acima de tudo, é preciso parecer bem-sucedido. Mas para isso é imprescindível ter um índice de massa corpórea que beira a desnutrição quando você é adolescente e um índice de adolescente para o resto da sua existência. O básico está muito complicado.

Mas não devemos perder as esperanças: é possível fugir desse labirinto de ratos. Talvez a meta seja ter menos metas. Fazer uma lista verdadeiramente sua de prioridades. Evitar cobranças em excesso. Fugir de metas abertas demais. Dividir seu tempo com as pessoas. Saber que não se pode ter tudo. Apreciar cada passo. Um bom caminho é não se apegar a valores irreais e passageiros, que desenham no horizonte metas simplesmente impossíveis de atingir ou manter.

Saber o que se quer é muito importante, mas saber o que não se quer é mais importante ainda. Conhecer a si mesmo e procurar se agradar. Soltando das mãos as rédias curtas das exigências dos outros, focando nossa busca em nossas próprias vontades e necessidades, talvez assim possamos enfim voltar todo o nosso esforço para o verdadeiramente essencial: saúde e paz.

quinta-feira, 22 de setembro de 2011

Macumba Antropófaga, sobre a peça, para o Garapa Paulista

Fragmentária, Híbrida, Sincrética e Metafórica

Por Nina Ferraz

Assisti à peça espetáculo Macumba Antropófoga na Flip (Festa Literária Internacional de Paraty), em julho passado, fazendo parte das homenagens ao escritor Oswald de Andrade (1890-1954). Já estava tão impregnada da fama do diretor José Celso Martinez Corrêa que, por mais exdrúxula que pareça a comparação, me senti como um católico que finalmente assistisse a uma missa celebrada pelo Papa.

Era tarde clarinha quando atravessei os muros que delimitavam o que a partir daquele minuto ia ser um teatro. Sentada na areia, me deparei com um monte de gente pelada, circundando um palco improvisado na praia. Sobre o palco, dois atores (vestidos) eram Oswald de Andrade e Tarsila do Amaral, entre outros predicados, autores do Manifesto Antropofágico e do quadro Abaporu, que em tupi-guarani quer dizer “o homem que come gente”. Encarnados por Marcelo Drummond e Letícia Coura, eles dançavam e brindavam à Semana de Arte Moderna (de 1922), quando começaram a tirar a roupa. A música gutural, a dança primitiva, a nudez, tudo me levava para uma celebração numa tribo longínqua, para um ritual que deveria surpreender a cada minuto. Mas isso não era surpresa.

Depois de vivas e brindes de absinto, a festa “civilizada” paulistana descia e se diluía na tribo. E Oswald era comido. Vale ressaltar que esse termo sempre era usado em dois sentidos: o da coabitação bíblica e o da comemoração gastronômica. Depois de digerido, incorporado, parecia que ele se transformava em Mário de Andrade ou em Macunaíma, ou nos dois. Afinal, onde está a linha entre o homem e a sua obra? Estava dada a metáfora perfeita e intrincada: definição de brasilidade e antropofagia. Na formação do que eu sou (brasileiro, humano) assimilo o outro, o autóctone, o estrangeiro e o bicho. Eu me aproprio do outro porque eu admiro sua força e coragem e quero assimilá-las ou simplesmente porque preciso dele para construir quem eu sou. O outro é o que eu não sou e também é o que eu sou, pois só na alteridade eu me defino. Ou nas palavras de Zé Celso: “Oswald é nosso grande descolonizador”.

Zé Celso diz que o que se explica não é arte. E assim a confusão reinou, deixando o público boquiaberto durante todo o espetáculo, que deve ter durado mais de três horas (eu perdi as contas). Sobreveio, como num dilúvio, uma sucessão de imagens fragmentárias e de cerimoniais de expiação e louvores. Apareceram em cena Maria Antonieta, D Pedro I, Napoleão, Freud, Rousseau, Montaigne e Buñuel… enfim tudo o que você imaginar que se moveu no mundo, entre Deus e o Dr. Nicolelis(Miguel Nicolelis, médico, cientista e escritor), que também aparecem na história. Mas não ficamos todos só de boca aberta. Algumas pessoas da plateia foram engolfadas pelo tsunami Zé Celso e acabaram nuas, dançando, incorporadas nos intestinos de uma festa para todos os sentidos. Perto do final, os atores passaram gloss na boca e distribuíram beijos na plateia. Uma atriz me beijou e eu me deixei beijar. Rápido, só lábios. Uma pequena transgressão para nutrir meu espírito selvagem assumidamente domesticado.

Se você vai no Teatro Oficina ver Macumba Antropófaga, não dá para dizer o que lhe aguarda, só sei que saí desta peça com um gostinho de espanto e de morango na boca.


terça-feira, 20 de setembro de 2011

Poema de João Cabral de Melo Neto, em "O cão sem plumas", Editora Alfaguara

Meus olhos têm telescópios
espiando a rua,
espiando minha alma
longe de mim mil metros.

Mulheres vão e vem nadando
em rios invisíveis.
Automóveis como peixes cegos
compõem minhas visões mecânicas.

Há vinte anos não digo a palavra
que sempre espero de mim.
Ficarei indefinidamente contemplando
meu retrato eu morto.

sábado, 10 de setembro de 2011

Imagine! 2 - continuação da crônica sobre a história do livro


Imagine!

Imagine quando a fotografia surgiu e o mundo ficou aterrorizado com medo da pintura se acabar. Imagine que o cinema já foi considerado o fim do teatro. E a TV seria o fim do cinema.
Nada disso aconteceu, obviamente,
mas essas expressões da arte são linguagens diferentes e não apenas veículos. Um exemplo claro de veículo é o vídeo: as fitas imensas foram substituídas por fitinhas minúsculas e depois pelo DVD, e hoje já se baixa um filme direto da TV ou da internet sem nenhum veículo palpável.

O livro é um veículo. Vai se acabar.

A literatura quando surgiu era de transmissão oral. Os aedos e rapsodos gregos invocavam as musas e recitavam tudo de memória. Sem necessidade de veículo algum. Nos menestréis, trovadores medievais, violeiros e contadores de história - a poesia e a música se misturam. Antigamente mesmo as narrativas eram rimadas, para se "cantar" louvores aos heróis. Para mim, poesia é para ser dividida, para ser lida em voz alta, cantada.

A fala é o principal instrumento. Literatura é ideia e emoção, arte para interagir na praça. Mesmo depois de surgir o livro (o objeto), muitas pessoas mantinham o hábito de fazer leituras em grupo, de lerem uns para os outros. De recitar. E acho que esse interesse está voltando. Que a literatura vai deixar de ser somente um deleite solitário, para ser também um prazer comunitário. E já é. Na cidade de São Paulo (dita a mais fria e objetiva do país) os saraus e os grupos de leituras se multiplicam como insetos num mundo subterrâneo. E as placas tectônicas estão sempre em movimento.

E assim, no mundo flutuante das ideias, muita coisa muda e outras são imutáveis. Hoje a gente vive o tempo do "vale o escrito" (ou nem isso), mas nem sempre foi assim. Embora a escrita já tivesse sido inventada, o filósofo grego Sócrates não deixou nada escrito de sua autoria. Até Platão via a escrita com desconfiança, ele só acreditava no diálogo como instrumento para criar e transmitir informação. Então o novo incomoda atá as mentes mais brilhantes.

O lance é que algo novo hoje aparece a cada segundo. E essa mobilidade da realidade pode ser assustadora. Estamos diante de séculos de conhecimento e arte, de medos eternos e certezas passageiras e de muita tecnologia nova. Mas o veículo não importa. Como Platão e Sócrates, para participar do mundo das ideias, só temos mesmo nossas vozes e o diálogo.

segunda-feira, 5 de setembro de 2011

Imagine!



Imagine!

Eu estava lendo o Estadão de domindo (4/9/11) e pensei: Imagine os sumérios tendo que parar de desenhar sua impecável caligrafia nos tablets (de argila, claro!). E os escribas egípcios, tendo que largar mão de escrever no papiro?

Segundo o jornal, uma pesquisa realizada no Colégio Humboldt com 241 estudantes e mais alunos do Dante e de outras escolas concluiu que quase todos os adolescentes têm tablets (não de argila, claro!) e lêem e-books, mas ainda preferem livros de papel. Júlia, de 15 anos, completa: “tenho prazer em ver a prateleira cheia de livros”.

Entendo, Júlia, me identifico totalmente. Mas acho que somos a excessão. Hoje e no futuro esse desejo de “estante” se tornará completamente extinto, tão difícil de entender quanto o desejo de Cleópatra que era guardar “O Livro dos Mortos” em rolos de papiro, imagino.

Sou escritora. Gosto de pensar que produzo literatura e não livros, assim como um músico produz música e não CDs ou discos de vinil.

Mas a evolução/revolução na tecnologia do lápis e papel já começou e é inevitável. Ou continua. Johannes Gutenberg, por volta de 1439, inventou a prensa móvel (um protótipo da tecnologia moderna de impressão de livros). Imagine o escarcéu que causou entre os monges que passavam as suas vidas enclausurados nos mosteiros copiando livros! Eles imprimiam com sua letra rebuscada uma personalidade única aos escritos. Isso sim cai bem no conceito de fim do livro objeto.

Mas o passado deve ser conhecido para trazer luz ao presente e para diminuir o nosso saudosismo e sensação de iminência do apocalipse: o fim do livro, o fim dos leitores “de qualidade” e todas sorte de aberrações medievais que circulam na modernidade.

A verdade é simples e crua: a tecnologia vai resolver a questão da deterioração do livro eletrônico, da documentalização, da acomodação do aparelho visual `a tela durante a leitura... Tudo.

Certeza.

Nós, uma das últimas “gerações de papel” morreremos e as pessoas vão esquecer os livros como esqueceram os compact disks, as fitas K7, as tábuas de argila e os papiros. Inexorável.

quarta-feira, 17 de agosto de 2011

TARDE DE AUTÓGRAFOS - A MEDIDA DE TODAS AS COISAS


Segredo

SEGREDO

Proscrito. Proibido pra mim.

Como a poesia no inacessível.

Como o inacessível na poesia.

Prosopopéia ou saudade do nunca?

Queria te ver materializado em voz, sopro e silêncio.

E mais nada. Para ter tudo.

Proselitismo ou poesia do desejo?

Queria te convencer, te converter, resoluto, imediato.

Fazer um estudo onomástico ou apenas gritar teu nome?

Várias. Várias. Várias vezes.

terça-feira, 9 de agosto de 2011

Erros, defeitos e outras pérolas.

Parafraseando Roberto Piva:
"se um dia eu parecer perfeita, vou dizer para mim mesma: onde foi que eu errei?".
O melhor amor é aquele que te ama, mesmo imperfeita.
O melhor amigo é aquele que conhece os seus defeitos.
O melhor parceiro é aquele que, vendo a sua fraqueza, não tenta te derrubar.

sábado, 6 de agosto de 2011

A HISTÓRIA DO MEU LIVRO (com 14 amigos)

História de um livro - A MEDIDA DE TODAS AS COISAS, por Nina Ferraz 7/8/11

Sempre gostei de saber da história de um livro, das circunstâncias em que ele foi escrito. O que se publica é o que todo mundo vê, saber dos bastidores é como ficar sabendo de um segredo, de uma intimidade. É como poder ver o útero onde os livros são gestados.

Todo mundo me pergunta como foi, para a gente, a experiência de escrever uma coletânea? Qual foi o caminho que percorremos do momento em que o livro não passava de uma ideia até a mesa do editor? Uma coletânea sempre tem muitas histórias. E são muitas as etapas: reunir as pessoas, escolher o tema, selecionar e trabalhar os textos, definir o título, escolher as epígrafes. É muito bom relembrar a história desse livro que escrevi junto com mais 14 amigos, escritores que eu gosto e admiro.

Embora entre nós já tivesse escritor premiado com Jabuti, a gente se conheceu na oficina de escrita do nosso querido Marcelino Freire, no Centro Cultural B-Arco, no primeiro semestre de 2010. Foi aí que a gente se apaixonou um pelo outro e pela ideia de trabalhar nossos textos considerando as impressões dos colegas. Por isso dedicamos o livro ao Marcelino.

A ideia surgiu com a emoção que dois textos que estão nesta antologia imprimiram na gente. “Copo de leite”, de Angela, e “Neblina”, de Lidia, fizeram o povo ir `as lágrimas. E além de emocionante, o tema é complexo e multifacetado. Estava decidido: vamos escrever um livro sobre pais!

Era abril de 2010. Mas o tempo passou e o grupo estava se dispersando. Paralela `a ideia do livro surgia a necessidade de ter uma sede, uma espécie de Clube da Esquina de escritores. Isso também se concretizou, e hoje nós somos o Grupo B-Eco, estabelecido na Rua Fidalga, 986. Mas voltando lá atrás, numa reunião embrionária, em novembro de 2010, na minha casa, Adriana, Angela e Danita deliberaram e me indicaram para organizadora do livro. Entrei em contato com os outros autores e todos ficaram imediatamente interessados em participar. Pedi que me enviassem os textos e os trabalhos seguiram rápido, muitas leituras e releituras em grupo. Não queríamos só histórias de pais bons, tinha história de homem que abusa sexualmente, que agride, que abandona. E como a vida é mais complexa que o bem e o mal maniqueistas, quisemos mostrar também as nuances e ainda explorar histórias que parecessem fábulas repaginadas, como nos textos que contam a relação de um pai desenhista com sua filha personagem de mangá ou do Super-homem com seu filho adolescente.

Mas e o título? Foi na leitura de Carta ao Pai, de Franz Kafka onde encontramos o título que resumia a ideia alinhavando os textos: o pai é o primeiro parâmetro que o filho usa para se avaliar e avaliar o mundo. A frase original é de Protágoras de Abdera, filósofo grego que, já no século V antes de Cristo, dizia: “O homem é a medida de todas as coisas”.

Tínhamos até aí trabalhado os textos e encontrado o título e uma epígrafe, com toda a seriedade e profundidade que o tema pede. Mas alguns dos nossos textos tinham um apelo mais leve, procurando a reflexão através do riso, então fomos buscar o outro lado da balança. Gargântua e Pantagruel, a série de livros do Rabelais, é um clássico renascentista e ao mesmo tempo um texto que consegue mover o leitor de sua zona de conforto. Caminhando no limite através de uma fabulação delirante, o autor busca o riso como forma de reflexão sobre os costumes. Nesse outro lado da moeda, encontramos a segunda epígrafe do livro. Era isso que queríamos: trazer a lume o conceito aristotélico de que o riso também é um caminho para a verdade.

A medida de todas as coisas é fruto de uma união fértil, entre amigos queridos. Sem dúvida a história deste livro, escrita a 15 mãos, foi uma história maravilhosa, que adoramos escrever.

quinta-feira, 4 de agosto de 2011

A MEDIDA DE TODAS AS COISAS

RESUMO da REUNIÃO de A MEDIDA DE TODAS AS COISAS

de 03/8/11 – última antes do lançamento do livro

Presentes: Adriana, Angela, Carol, Danita, Dany, Giovanna, Lidia, Patrícia, Sandro, Rodrigo e Nina

1) Danita, nossa líder natural e coordenadora das atividades do B-Eco, abriu a reunião com muita alegria e descontração.

2) Danita comprou 15 pranchetas bem simples na Kalunga ($1,99 cada) onde Rodrigo vai colar etiquetas com a capa do livro e nossos nomes – usaremos as pranchetas no lançamento para identificação dos autores e apoio para as assinaturas

3) Lembramos que é muito importante fazer o convite pessoalmente para as pessoas que de fato a gente conta que estarão presentes.

4) Rodrigo Enge, editor da RDG, explicou que o livro está atrasado na sua impressão por problemas com a gráfica (defeitos na impressão), mas que os defeitos já foram resolvidos (outra gráfica foi contratada) e que o livro será entregue a tempo. Estivemos lá hoje, Rodrigo e eu, e o livro já está quase pronto – estão na fase final: cortar o miolo e colar a capa. Está lindo!

5) Distribuição do livro – será prejudicada devido ao atraso na impressão, mas assim que o livro chegar, o Rodrigo entrará imediatamente em contato com o setor de compras das livrarias. Como isso é burocrático e demora, Rodrigo, Lidia e Nina entrarão em contato com algumas livrarias (Nobel, Barco e Livraria da Vila) para a distribuição imediata via conhecimentos pessoais. Quem puder ajudar nisso é só falar.

6) Imprensa – ficou decidido que caso haja algum evento de imprensa sobre o livro, a Nina responderá pelo grupo. Conversamos um pouco sobre a minha impressão sobre os textos, a história do grupo, etc e salvo detalhes de menor importância, estamos afinadíssimos! (veja o meu texto que resume algumas das minhas impressões sobre o nosso livro, neste blog, em breve)

7) Angela informou que vai sair uma matéria sobre A medida de todas as coisas na Contigo deste domingo. Super parabéns e obrigada, poderosa Angelita!!!!!!!

FFabiana, assessora da Faa, informou que Faa e eu estaremos na Rádio Capital AM 1040 kHz amanhã 12h programa do Paulo Lopes. Valeu, Faa!

8) lembramos a todos que o release do livro foi feito pelo Rodrigo e pela Nina e está disponível no site da RDG

9) LANÇAMENTO EM SÃO PAULO: tudo certo!

10) LANÇAMENTO NO RIO DE JANEIRO: o lançamento no Rio será mesmo na Estação das Letras, em 17/9/11, as 15h e contará com a presença já confirmada de: Adriana, Angela, Dany, Danita, Giovanna, Nina, Patricia e Sandro. Estes ficarão responsáveis pelo evento (coquetel, etc) e pelos convidados. O Rodrigo ficará responsável pela impressão dos convites, frete dos livros e o contrato comercial com a casa. (IMPORTANTE: consideramos a possibilidade de mudar o local, a data, etc, mas concluímos que as opções que temos não oferecem maiores vantagens.)

11) LANÇAMENTO EM PERNAMBUCO: estamos organizando. Quando tiver algo mais definido avisaremos.

12) LANÇAMENTOS EM OUTRAS CIDADES: quem quiser organizar algum lançamento pode fazê-lo, mas antes de assumir qualquer compromisso favor entrar em contato comigo e com Rodrigo, nós marcaremos uma reunião para o grupo deliberar sobre cada atividade sugerida.

13) Conto com a presença e a pontualidade de todos no Lançamento, `as 18 h. Então, amigos, muito obrigada pela confiança e até a noite de autógrafos!

beijos

Nina Ferraz

segunda-feira, 1 de agosto de 2011

Nada.

Nem estou deprimida e me sinto um nada flutuando no mar. Será que é um progresso? Ou será que é grave?

sexta-feira, 22 de julho de 2011

O Mar Egeu

Olhando o mar Egeu, suas águas azuis, tão paradas feito um lago gigante:

talvez o menor caminho para a consciência não seja a razão, mas sim a sensação.

sábado, 9 de julho de 2011

Mulheres e a Feira Literária Internacional de Paraty (FLIP)

De Nina Ferraz para o Garapa Paulista - 09/07/11 - As Mulheres e a FLIP

A programação principal da Flip 2011 tem 28 escritores e 5 escritoras. Essa desproporção evidencia que ainda tem muita coisa atrapalhando a marcha intelectual das mulheres, não somente as pedras irregulares do calçamento das ruas de Paraty. Principalmente para quem é pega de salto alto.

Mas o leitor pode ficar tranquilo: esse texto não é nem papo de feminista, nem de mulher que faz biquinho e reclama que sua beleza atrapalha, nem lista de argumentos para a instituição de uma política de cotas para mulheres nas discussões sobre literatura. Pelo contrário, essa reflexão assume sua importância se a gente sabe que é assim na Flip porque é assim no mundo.

Mas qual a opinião dos escritores sobre essa questão? Elegi alguns pontos de vista nas mesas oficiais, eventos paralelos e coletivas de imprensa.

Antonio Candido, na abertura da Flip, afirmou que a imagem de bom vivant de riso fácil e temperamento difícil atrapalhou a compreensão da obra de Oswald de Andrade no seu tempo. Isso nos remete`a concepção medieval do riso e `a obra de Aristóteles, claro, mas serve para mostrar a complexidade do tema comportamento também na contemporaneidade. A imagem da pessoa interfere sim na recepção da sua obra.

Pola Oloixarac disse, em coletiva `a imprensa, que resolveu acentuar sua imagem feminina quando percebeu que, não importa o que faça, o fato de ser mulher gera por si só um ruído que afasta a imprensa e `as vezes os próprios leitores da obra. Quando uma mulher está em foco, a discussão muitas vezes se perde em questões menores. Concordo.

João Ubaldo Ribeiro, perguntado diretamente sobre se a imagem feminina acaba por distrair a crítica, surpreendeu dizendo que não. Discordo. Adoro o Ubaldo, então fiquei sem palavras.

Anna Verônica Mautner, em conversa na Casa da Folha, disse que a questão de gênero hoje parece menos importante que a própria questão da imitação e assimilação dos códigos da tribo. Assim, para o indivíduo ser aceito e participar efetivamente de um grupo, imitar o comportamento da maioria é a chave mestra. Mas como o sexo é o fator mais importante que determina o comportamento do adulto humano, numa proporção de 28 a 5 (na Flip ou fora dela), parecer com a maioria não é tarefa fácil.

Eu fico com Contardo Caligaris que ousou dizer que nos nossos tempos de igualdade, não há tanta igualdade assim. E que as mulheres ainda estão longe de ser camaradas dos homens, no sentido de respeito mútuo `as semelhancas e diferenças. E ele foi mais longe: “o homem é um bicho frágil, e, como todo bicho frágil, reage com medo e agressividade”. Nesse “homem”, incluo homens e mulheres. Imprensa e escritores.

Espero que um dia, no campo das ideias, os homens deixem de reagir `a devoração antropofágica das mulheres e que as mulheres aprendam que a verdadeira mulher não precisa fazer biquinho e sim abrir mesmo uma boca incisiva de fera-camarada.

domingo, 3 de julho de 2011

Um mosquito na rede - autobiografia

Tudo revolve. Em círculos.

Revólver apontado com amor

Na cara.

Estou pronta:

Base

Sombra

Tiro vermelho

Na boca. Pahhhh!

Falso diamante

Engastado no pó.

Ponta de lápis preto

Gasto no Moleskine.

Risco de navalha coagulado

Dark.

Sigo na madrugada

Nada.

Tudo

Brilhando na tela do olho

Computador

Insônia.

Vou sem amanhecer

Penetrando na tela

No mosquiteiro

Chupando meu sangue

Voando baixo

Zunindo alto

Um aplauso plaft!

Insignificante!

Morra!

Viva!

segunda-feira, 20 de junho de 2011

ARIANO SUASSUNA



Ariano Suassuna,
paraibano que cresceu em Pernambuco
Autor de O Auto da Compadecida e A Pedra do Reino,
disse:

"O gosto médio é mais prejudicial `a arte do que o mau gosto".

sábado, 18 de junho de 2011

Rimbaud: Vênus Anadiômene

Vênus ou Afrodite é a deusa grega do amor, que todos nós conhecemos. Um dos mitos diz que ela nasceu do sêmem de Urano (pai dos Titãs), após Cronos (deus do tempo) cortar os seus testículos e jogá-los no mar. Daí a pintura da mulher linda emergindo das águas ou, como ao lado, em cima de uma concha.

A visão de Rimbaud é bem diferente: ele descreve uma protituta saindo de uma banheira. Aproxima o sublime do grotesco de forma surpreendente e original.

Copiei esse poema do blog do Antônio Cícero, primeiro vai a versão em Português e depois em Francês.



Vênus Anadiômene

Qual de um verde caixão de zinco, uma cabeça

Morena de mulher, cabelos emplastados,

Surge de uma banheira antiga, vaga e avessa,

Com déficits que estão a custo retocados.


Brota após grossa e gorda a nuca, as omoplatas

Anchas; o dorso curto ora sobe ora desce;

Depois a redondez do lombo é que aparece;

A banha sob a carne espraia em placas chatas;


A espinha é um tanto rósea, e o todo tem um ar

Horrendo estranhamente; há, no mais, que notar

Pormenores que são de examinar-se à lupa...


Nas nádegas gravou dois nomes: Clara Vênus;

-- E o corpo inteiro agita e estende a ampla garupa

Com a bela hediondez de uma úlcera no ânus.


Venus Anadyomène - em francês

Comme d’un cercueil vert en fer blanc, une tête

De femme à cheveux bruns fortement pommadés

D’une vieille baignoire émerge, lente et bête,

Avec des déficits assez mal ravaudés;

Puis le col gras et gris, les larges omoplates

Qui saillent; le dos court qui rentre et qui ressort;

Puis les rondeurs des reins semblent prendre l’essor;

La graisse sous la peau paraît en feuilles plates:

L’échine est un peu rouge, et le tout sent un goût

Horrible étrangement; on remarque surtout

Des singularités qu’il faut voir à la loupe…

Les reins portent deux mots gravés: CLARA VENUS;

—Et tout ce corps remue et tend sa large croupe

Belle hideusement d’un ulcère à l’anus.


De:

O nascimento de Vênus, de William-Adolphe Bouguereau. Copiado de Wikipedia.

RIMBAUD, Arthur. Poesia completa. Edição biligue. tradução de Ivo Barroso. Rio de Janeiro: Topbooks, 1994.

Obs.: A edição citada conta com excelentes notas explicativas.

POSTED BY ANTONIO CICERO AT 00:16

LABELS: IVO BARROSO, POEMA, RIMBAUD